“Cheguei a pensar em me demitir”, mulheres contam sobre a dificuldade em conseguir ajuda para voltar ao trabalho
Creche e rede de apoio sempre foram problemas que toda mãe enfrenta. No Brasil, segundo o IBGE, 65% das crianças entre 0 e 3 anos estão fora da escola justamente por conta da falta de vagas, ou seja, não é de hoje que famílias enfrentam o dilema de “com quem deixar a cria?”.
Toda essa preocupação vem de mulheres que, em sua grande maioria, são mães solo, ou seja, aquelas que não têm rede de apoio, que criam seus filhos sozinhas e ainda são chefes de família. Elas correspondem a 28,9 milhões de brasileiras, além disso, as mulheres que convivem com companheiros, dedicam 22,5 horas semanais em tarefas domésticas enquanto eles, dedicam 12,7 horas.
Com a reabertura gradativa de comércios e empresas, muitas mulheres precisam voltar ao trabalho mas estão enfrentando essa dificuldade que a falta de rede de apoio traz.
Com as escolas fechadas, essas mães se desgastam física e emocionalmente atrás de pessoas, parentes, amigos que possam auxiliá-las nessa constante busca por ajuda que muitas vezes é sem sucesso.
A Amanda Melo é consultora de atendimento de uma clínica de estética e está neste dilema. “Eu tenho uma filho de 4 anos e um bebê de 5 meses e, além de toda a carga escolar do mais velho e toda a atenção para um bebê, os impactos emocionais da quarentena ficam cada vez maiores.”, conta
Ela precisa voltar a trabalhar em duas semanas. “Cheguei a pensar em me demitir, porém, isso traria impactos inclusive para que eu consiga concluir minha graduação, a saída mais viável no momento foi recorrer a parentes que moram perto da minha casa para me ajudarem com meus filhos, mas nem todos respeitam a quarentena, o que me deixa muito angustiada. A insegurança pela saúde dos meus filhos me afeta”, relata.
Infelizmente, a pauta maternidade não é prioridade para o Estado, não se vê nenhum tipo de plano ou ações para mães na quarentena, é como se nossas necessidades não fossem importantes e cai naquele pensamento de “quem pariu Mateus que o embale”. Se as políticas públicas na infância são precárias em tempos de “normalidade”, na pandemia, vemos o quanto somos negligenciadas pela sociedade como um todo.
Para a Regilene, mãe solo, não é diferente, ela é estudante de gastronomia e trabalha como diarista, é mãe da Giovanna de 12 anos e do Gustavo, de 4. Sua maior dificuldade no momento é com quem deixar seu filho mais novo, Gustavo, porque demanda mais atenção por ser menor e sua mãe, ser idosa. “com o anúncio da pandemia, perdi boa parte dos meus clientes e fiquei sem trabalhar, mas agora, alguns deles estão começando a chamar novamente, porém, as crianças ainda continuam em casa por conta das escolas fechadas.” conta.
A solução que ela encontrou no momento é procurar uma pessoa de confiança do seu bairro e que não cobre caro para ajudar com o Gustavo! Além disso, a Regilene levanta um ponto importante sobre essa situação, “tenho visto várias campanhas incentivando as mães a não mandarem as crianças pra escola, mas fico pensando em mães na mesma situação que a minha, que não têm com quem deixar as crias e precisam trabalhar, como essas mães vão fazer? Todos os dias eu peço que encontrem a vacina pra esse vírus pra gente poder voltar a correr atrás dos nossos objetivos.”, relata.
Um projeto recém lançado pelo Senado, o PL 3.418/2020 prevê a prorrogação da licença maternidade e paternidade de 180 dias para mães e 85 dias para os pais, apesar de ser muito útil, a licença não contempla a todas as mães, apenas as puérperas e levanta outro ponto importante que é a diferença da quantidade de dias para mães e pais, mais uma vez levantando a bandeira do gênero, como se mulheres não precisassem da “ajuda” dos seus companheiros, principalmente neste momento onde os riscos de contaminação são maiores.
Essa falta de auxílio do Estado faz com que a Cris precise da ajuda da sua filha mais velha Dora de 14 anos que dá suporte nos cuidados com a mais nova, Lorena de 3 anos. A profissão da Cris é de gerente de condomínio, ela tem a responsabilidade de zelar por mais de mil moradores onde exerce a profissão e com receio de colocar outra pessoa dentro de casa, transferiu parte dos cuidados da para a filha mais velha. “não tenho opção, meu trabalho não me permite estar perto delas o tempo todo, no momento preciso sustentar minha família e percebo que as empresas não têm um plano de flexibilização que consiga atender a esse tipo de situação”.
Mesmo sendo Cardiopata e fazendo parte do grupo de risco, ela é chefe de família e a sua renda é a única da casa. “Eu vivo constantemente em sentimento de culpa de ter de precisar da ajuda da minha mais velha em casa”. relata.
Essas três mulheres têm uma coisa em comum, elas precisam de ajuda, de rede de apoio e se sentem culpadas por precisarem trabalhar, além disso, o medo de estranhos dentro de casa conta muito, afinal, é da segurança física e de saúde dos nossos filhos que estamos falando.
Além de lidarmos com toda a questão psicológica que a quarentena nos traz diariamente, também temos o trabalho, casa, filhos e a nossa saúde mental que não está nos melhores dias.
Precisamos falar mais sobre as nossas necessidades, mostrar onde o calo aperta, precisamos de plano, mas que realmente nos ajude, precisamos de auxílios, precisamos que toda a sociedade entenda que é preciso uma aldeia inteira para cuidar de uma criança. Estamos cansadas!
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Jo Melo, é mãe do Juan, pesquisadora e profissional de Marketing. Ativista pelos direitos das mães e contra a romantização da maternidade, luta por uma sociedade mais justa para mulheres e seus filhos, ama plantas, detesta julgamentos.
É fundadora da Revista Mães que Escrevem.